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Lume

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Varredura

As notas da canção malogram, sujam
o silêncio, bem como as muitas cores
dum'aquarela à tela - branca, alva,
inocente, parva - sujam, contaminam:
com-paixão.

Ântropos pintam suas cores
num mundo desvirgem e dão
continuidade a um trabalho
do qual eles mesmos produto são.

O bicho maestro
rege uma sinfonia
de urbes e de orbes
e de urlos e oboés
muito enquanto polui
seu planeta e a si.

Eu, ora, também me sinto sujando
folha em branco co'a tinta negrume
da caligrafia que quiçá seja ininteligível
m e s m o a m i m.

e ora eu sinto algum
incontrolável impulso
de sujar-me de alguém talvez tu

(esporquemo-nos, pois)

E então eu me sinto
voraz pacientemente
tentado a pensar
que tudo é, sim, assim
mesmo, e talvez que se suje
tanto quanto se limpe
e que não há nem há
de haver ordem que não

d e s a t e

deorsaginze
ou
d e

s c o n s
trua

a não ser
o i m u t á v e l
constante ir e vir

do Ele Sim.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

o Poeta é, assim como Deus, sem gênero,
embora a lusofonia,
o código do qual lanço mão,
tenha-lhes querido impor um.


ora, hão de me indagar
se este Deus unífico

magnífico


sendo inesgotavelmente
fecundo como é
não teria, todavia
um sexo.

eu respondo:
simnão.

sim,
porque Êle os contém
(só Êste Deus
Meta
Prolífico
Físico
é verdadeiramente capaz de algo conter)

e não
pois o sexo, juntamente com o resto
de todas as outras coisas-estado
sem exceção,


é que emprestam de Deus a divindade do Ser,

transformando-se, por sua vez
nos mais diversos
fenômenos mágicos, belos
do Si Universo contenedor de universos

de onde desabrocham versos
como galaxiflores em suspiro.

o Poeta sim,
pode,
eventualmente,
ter sexo.

(alguém por aí já reparou que o Não
sempre carece mais de argumento
e de rebusque do que o sim?

a treva se pensa maior do que a Luz
porque a tudo acolhe, ingnorante
de que na Luz se vai onde a treva
não pode enxergar

aliás,
a treva nada enxerga
além da própria
autófaga escuridão)

Pois bem, e o Tempo
- a medida dessa nossa vitrual
couraça de carne mortal,
um dos algozes de Deus -
precoce, doce, manso
não escraviza o Poeta
porque o Poeta se sabe
ter emprestado o indelével
espírito Seu cosmonírico
e também sabe ter-se
deitado consigo,
no incesto do Atempo,
a Poesia

- essa dama mutante
em beleza
essa musa que posa
de brincos
no desabrochar
de cada momento:
essa sim
possui, para mim,
género.

não, reitero,
o Tempo não
escraviza o Poeta

porque Tempo e Poeta
se ombreiam numa batalha epopeica
ainda sem vencedor

entretudo, o poeta compreende
que a história
o passado o futuro e o presente
se escondem, misturam
componentes
do Agora que dança.

por sempre criança
recém-nascido
de si mesmo
como Êle
como o Poema

e ambos, Poeta e Tempo
se curvam diante de Deus
que, autogâmico, recria-Se
perenemente em cada dobradiça
onde o Espaço e o Tempo
dão-se as mãos
e se curvam numa cordial respeitosa
reverência ao Poesíata:
nosso mais gentilíssimo concebedor;
de cuj'alma nós somos apenas partícula.

O poeta, então, se ergue de pé diante Dele

e Este

lhe sorri

com os Olhos.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

sou uma igrejinha(não grande catedral)

distante do esplendor e da sordidez das cidades corridas

- eu não me preocupo se dias mais breves tornam-se os mais breves,

eu não me lamento quando sol e chuva compõem abril


minha vida é a vida da colheita e da semeadura;

as minhas preces são as preces dos desgraciosamente esforçados filhos

(achando e perdendo e sorrindo e chorando)da terra

de quem qualquer desventura ou gozo é meu próprio descontentamento ou sorriso


à minha volta surge um milagre de incessantes

nasceres e glórias e mortes e ressurreições:

sobre meu eu que dorme há flutuantes símbolos que flamejam

de esperança,e eu desperto para uma perfeita paciência de montanhas


sou uma igrejinha(distante do mundo

frenético com seus deleites e angústias)em paz com natureza

- eu não me preocupo se noites mais longas serão as mais longas;

eu não me lamento quando o silêncio se faz canção


inverno por primavera, eu levanto minha torre diminuta ao

misericordioso Ele Cujo único agora é o sempre:

eis-me ereto à livre de morte verdade de Sua presença

(dando as boas vindas humilde, à Sua luz e orgulhoso, à sua escuridão)



texto por: E. E. Cummings

tradução: Conrado Segal